17 de mai. de 2008

Crônica

A GALINHA SAPECADA

Houve um tempo em que frango limpo e resfriado, desses agora comuns em qualquer açougue e supermercado, era uma raridade e as pessoas compravam a ave viva, dos japoneses nas granjas ou nos caminhões que passavam com dezenas delas engaioladas e cacarejantes, assustadas, talvez já pressentindo o sinistro destino que as aguardava...
Eram galinhas brancas e com as cristas bem vermelhas, às vezes apelidadas de enfermeiras. Não por causa de qualquer hábito, por favor, simplesmente pela “roupagem” branca mesmo. Para saber se ela tinha boas carnes era preciso apalpá-la em determinados pontos, checar as coxas, o peito, o peso em si. Escolhida, a vítima era amarrada pelos pés e depois deixada sozinha lá no quintal até o momento do sacrifício.
O abate era um ritual macabro para os padrões atuais: lembro que com precisão e rapidez, minha avó pegava a galinha pelos pés e puxava com força seu pescoço destroncando a coitada, que ficava então agonizando e estrebuchando pelo chão por uns breves e assustadores minutos. Um verdadeiro e impressionante balé da morte!
Finada a galinha, jogava-se água fervente nas penas para arrancá-las com facilidade e depois seu corpo nu era colocado direto sobre a chama do fogão para sapecar as últimas penugens. Mais um banho e abria-se a galinha pela barriga, retirando as vísceras: o coraçãozinho, o fígado, a moela cheia de pedrinhas, sementes, caquinhos de vidro, grãos de areia e outras coisas que as galinhas engoliam ao ciscar. Nós as crianças ficávamos à espreita contemplando fascinadas aquele ritual e torcendo para que houvesse ovos em formação dentro da ave, espécie de “cachinhos de uva” que cozinhávamos e comíamos com sal e pimenta-do-reino.
Desmembrada, esquartejada, a galinha era preparada em saboroso molho para acompanhar a macarronada ou a polenta de domingo, porque naquele tempo esses eram pratos especiais; ou então ela era assada inteira, recheada com farofa. Huuummm!

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